Dr. Jorge Stolkiner
Conferência proferida em 30 de março de 2016
Local: Clínica Horizonte Desenvolvimento Humano – Recife
Tradução e transcrição: Fernando Palhano
ORIENTAÇÃO PRAGMÁTICA
Eu sou um terapeuta. É isso que eu tenho feito principalmente.
Como fui terapeuta por toda a vida, fui uma pessoa que tinha muita paixão pelas ideias. Eu gostava das teorias mas era procurado por pessoas que tinham problemas e a estas pessoas em geral, minhas teorias não interessavam. A estas pessoas interessava resolver seus problemas. Então toda teoria que não teve um impacto claro, prático para a resolução dos problemas das pessoas, pouco a pouco, com o passar dos anos, passou a ser um divertimento ocasional como jogar xadrez. Porém não algo de importância vital. E sobretudo, quando eu aprendi o pensamento funcional de Reich, (a palavra pensamento funcional é muito ruim). Reich em seu pensamento funcional, uma pessoa dá um passo intelectual e não se distancia mais de um passo da prática. O próximo passo tem que ser prático senão você está perdido.
Sobre a causa dos problemas, entender como começam os problemas, pode ser interessante porque entender como começam os problemas pode nos dá uma orientação de como terminar com os problemas. Porém por esta razão que expliquei antes, não é um interesse primário. Caso o entender como iniciam os problemas não nos ajudem a resolvê-los, não tenho o menor interesse nisso. Não digo que não seja útil, digo que se tem alguma utilidade em compreendermos como os problemas se iniciam, será somente porque nós queremos que os problemas terminem. Então temos que ter a hierarquia clara. Eu, pelas razões que expliquei, tenho uma orientação pragmática. Interessa-me compreender aquilo que vá produzir um efeito na qualidade de vida da pessoa e na resolução dos problemas.
Então quando falamos aqui sobre o que existe em comum entre as várias terapias e como terminam os problemas, eu não gostaria de transmitir algo teórico. Não me parece algo interessante, assim poderíamos falar de qualquer outra coisa. Eu gostaria que isso de alguma maneira tivesse para vocês, como tem para mim, uma relevância vital. Vocês como eu, se dedicam a ajudar as pessoas a terem menos problemas na vida, então isso tem uma importância prática. Porém todos nós também temos problemas, então, como se diz: “A caridade bem compreendida começa pela própria casa”. Portanto isso tem que ser bom para meus problemas. Como todos nós temos problemas, então isso poderia ter uma importância para cada um de nós.
DOIS TIPOS DE PROBLEMAS
Existem dois tipos de problemas. Os que consideramos reais e os que não consideramos reais. Nós terapeutas trabalhamos com problemas que não consideramos reais. Caso você tenha um problema que considera real como quebrar um osso, ou não ter dinheiro para pagar o financiamento, ter um caso na justiça, ter um problema de saúde, ter um tumor, em geral uma pessoa não confronta este tipo de coisa com um terapeuta. Que fazemos? Tendo um problema legal consultamos um advogado. Tendo um vazamento em minha casa chamo um engenheiro. É diferente, não é? Nossa profissão destina-se aos problemas que em geral aceitamos que não existem.
Eu creio, em uma estimativa modesta, que 70% de nossa infelicidade se deve a problemas que não existem, como mínimo. Em uma estimativa muito modesta. Porque mesmo que nossos problemas sejam reais, como: “estou um pouco velho, tenho uma hérnia de disco…” Eu não tomo este problema de uma maneira pura, cada um toma seus problemas de uma maneira pessoal. Então como os tomamos de uma maneira pessoal, nós agregamos toda a nossa história, problemas que não existem inclusive os problemas reais.
Eu quero relatar um fato:
Um monge, muito bom praticante, estava em Nova York e teve que ir ao dentista para extrair um dente mas não queria usar anestesia. Quando voltou as pessoas lhe perguntaram:
- “Doeu muito?”
- “Não”. Respondeu.
- “Como não?”
- “Bem, primeiro eu sai para ir ao dentista. Ir ao dentista não doía. Cheguei ao consultório e sentei na sala de espera e isso não doía nada. Depois me chamaram para entrar. Entrei e não doeu. Avaliou-me, não doeu. Em seguida colocou um instrumento em minha boca e mesmo assim não doeu nada. Depois extraiu meu dente, isso doeu um pouco. Porém depois que havia tirado o dente a dor diminuiu. Então não doeu muito.
Diante de uma coisa real como esta, estamos nós rodeados de muitas coisas que não são reais. Então quando eu digo 70% trata-se de uma subestimação muito grande.
A FLORESTA DAS ESCOLAS DE PSICOTERAPIA
Para estes problemas que não existem e pelos quais somos procurados como terapeutas, existem, como vocês conhecem, mais de trezentas escolas de psicoterapia. E estas escolas falam linguagens distintas, tem teorias completamente separadas, divergentes, aparentemente irreconciliáveis. Tem práxis completamente diferentes. Descrevem e visualizam resultados de maneiras diversas. Isso é uma floresta. Também poderíamos dizer: “É uma torre de Babel”, essa é a analogia normalmente utilizada que agrega uma dimensão realmente interessante mas que não temos tempo agora para comentar. Mas como é este mito? Vocês lembram. Os homens tentaram construir uma torre, com seus recursos, da terra para atingir o céu. Então ai Deus confundiu as línguas e não conseguiram mais se entenderem uns com os outros. Tem um simbolismo muito interessante mas dado à limitação do tempo não vou falar sobre isso.
Então qual é a situação das pessoas? Estando neste assunto da psicoterapia, tendo um problema ou alguém de minha família, ou um amigo, em geral indico alguém que faz o que eu estudei. Sendo analista bioenergético, encaminho para um analista bioenergético. Sendo psicanalista, encaminho a um psicanalista. Sendo um terapeuta cognitivo comportamental, envio a colega da TCC. Etc… E se sou uma pessoa que não conheço de psicoterapia, então, que faço? Consulto a internet e termino escolhendo aquele que pagou melhor ao Google para ter o website na frente dos demais. Como vocês vem, todos estes critérios não tem nenhuma relação com a real compreensão de como encontrar algo que melhor ajude na solução do problema. É fácil perceber que isso é uma grande confusão. Além disso como pode ser que algo funcione … Sem dúvida existem muitos estudos que mostram que um grande número de terapias na realidade funcionam, existem estudos quantitativos, e são mais confusos … fica mais confuso quando estudamos. Todos os dados são muito confusos. Por exemplo: Na comparação entre terapeutas que tem muitos anos de experiência com os que não tem muito tempo, observa-se que mais ou menos atinge-se os mesmos resultados. Como pode ser? Quer dizer que a experiência não significa nada? Todos estes dados são muito confusos. Vocês algumas vezes pensaram sobre tudo isso ou parte de tudo isso? Para mim o extraordinário é que uma pessoa às vezes passa a vida sendo terapeuta e nunca confronta esta situação abertamente. Então o que acontece aqui? Como pode acontecer isto? O que significa esta confusão? Claro que a necessidade de compreender um pouco aqui existe e é grande esta necessidade. Para mim isto foi sempre como um espinho na garganta, por muitos, muitos anos. E não tinha até muito recentemente uma resposta orgânica para isso. Somente há pouco tempo tenho uma, não mais de 4 anos. Isso é o que quero apresentar a vocês hoje de maneira muito sucinta. E não quero apresentar apenas como uma ideia simplesmente. Quero apresentar como algo que se vocês realmente o compreendem, também podem colocar em prática. E experimentar se isso funciona ou não através da própria experiência.
Quero apresentar como acontece que os problemas terminem. Quero mostrar como isso se relaciona com todos os tipos diferentes de terapia. Em seguida quero dar um tempo para perguntas e para estar seguro de que de alguma maneira trata-se de algo prático para vocês. De maneira que não temos muito tempo para dar todas as referências e entrar em todas as teorias.
A QUE NOS REFERIMOS COM : “SOLUCIONAR PROBLEMAS”
Em primeiro lugar a que nos referimos com: “Solucionar problemas”? Na realidade quando nos referimos sobre como solucionar problemas podemos nos referir a duas coisas completamente diferentes. Pode ser que o problema em si mesmo desapareça. Ou pode ser que a queixa da pessoa desapareça, que seja possível realizar algo que antes não era possível.
TÉCNICA DISSOCIATIVA PARA TRATAMENTO DE FOBIAS
Aqui temos que explicar. Por exemplo, se tratamos uma fobia com a técnica mais comum da neurolinguística para tratar fobias. A técnica mais comum usada na neurolinguística para tratar fobias, é uma técnica onde aplicam múltiplos graus de dissociação. É uma técnica dissociativa. Então, se você tem medo por exemplo de entrar em um elevador ou de ir em um túnel, ou de viajar de avião, algo assim, uma fobia. Então a técnica neurolinguística aplica diferentes formas de dissociação para que o medo e o viajar de avião estejam separados. Isso é dissociação. É como utilizar uma tesoura, faz-se o corte e ficam separados e desta forma a pessoa imediatamente pode voar de avião, o que pode ser muito bom. Porém isso não quer dizer que o medo não exista. Não significa que o problema esteja solucionado. Somente significa que o medo e avião foram separados. Estas técnicas dissociativas são naturais. Você durante uma circunstância muito traumática, um acidente uma abordagem violenta ou algo parecido, muitas vezes enquanto isso ocorria, você não sentia nada. Via tudo como se fosse uma pessoa estranha ou de fora, ou algo assim. Isso não quer dizer que você não sinta nada. Isso quer dizer que a parte de você que sente e aparte que se move que fala, que pensa, tudo isso, estão separadas. Então isso pode ser muito bom porque ao ladrão que está com um revólver, você não grita, não se move, entrega tranquilamente o que o que ele pede, etc… Pode sobreviver às vezes assim. Mas isso não significa que você não tenha nenhuma emoção por dentro. Este é um exemplo.
SOLUCIONAR PROBLEMAS
O que quero dizer é que quando me refiro a solucionar um problema, não é a este tipo de solução que me refiro. O que não significa que isso não possa ser útil e importante.
Solucionar um problema seria que a fonte deste medo não existisse mais. Que a fonte deste medo não exista, que este medo não exista. Que a dor pela pessoa que morreu tenha terminado, que os efeitos do trauma tenham sido dissolvidos. Que realmente não tenhamos colocado de lado, em alguma parte, o problema, separado de uma outra parte. Mas que realmente isso tenha sido dissolvido, tenha desaparecido.
CONEXÃO ENTRE: EMOÇÕES, PENSAMENTOS, COMPORTAMENTOS E FENÔMENOS CORPORAIS
O que são estes problemas? Estes problemas são basicamente: ideias, crenças, emoções negativas que vão junto com tudo isso. E às vezes problemas corporais e condutas também envolvidas. Tudo isso conectado. A problemas corporais me refiro a questões orgânicas inclusive e tensões musculares e coisas assim. Tensões de certo tipo, comportamentos. Tudo isso funciona junto. Não existes por exemplo emoções que não estejam ligadas a pensamentos e fenômenos corporais. São três níveis de uma só coisa que às vezes nós podemos ter fracionados dentro de nós, porque estamos muito quebrados por dentro. Ou às vezes omitimos ter consciência de uma parte. Por exemplo: “Estou com muita raiva”! “Por que você está com tanta raiva? O que você pensa?” “Não sei. Tenho raiva”.
Não é que não exista pensamento, sempre há. Mas pode ser que eu tenha dificuldade de acessar para então poder falar. Todos os fenômenos corporais e comportamentos vão junto. E a vida inteira de uma pessoa, todas as circunstâncias de uma pessoa fazem parte disso.
Como é que isso se resolve? E como é que isso termina?
ETAPAS PARA A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA
1º ABERTURA DO PROBLEMA
Em primeiro lugar, nenhum problema latente se dissolve. Todos nós temos muitos problemas latentes que só aparecem em certas circunstâncias da nossa vida. Apesar destes problemas não estarem abertos, não estarem manifestos neste momento, limitam e condicionam nossa existência o tempo todo. Não estão presentes. Por exemplo: você não consegue olhar para o lado, não olha para o lado, sua conduta então é afetada por isso, não é sem consequências. Por não conseguir olhar de lado você tem que fazer várias coisas diferentes.
LUTO
Outro exemplo: alguém morre e a pessoa não faz o luto. Porque agora é muito comum, diferente de antes quando haviam várias cerimônias religiosas, os judeus tinham seus ritos, os cristãos faziam o velório por toda a noite, então sem dormir a emoção vinha, vestiam preto… Tudo ajudava para o luto.
Agora às vezes: “Não me falem sobre isso! Não quero pensar mais nisso!” Sai à noite com um amigo para beber ou para alguma droga. Tratar de esquecer. Desta maneira uma pessoa já faleceu há dez anos mas o luto ainda não foi concluído.
Então, o luto não está ai aberto, porém mesmo tendo passado dez anos esta pessoa não consegue amar ninguém. Isso tem um efeito poderoso na vida da pessoa mesmo que não esteja aberto.
DIFERENTES MÉTODOS PARA A ABERTURA DO PROBLEMA
Vou falar disto em cinco pontos. Este é o primeiro ponto. O primeiro passo para a resolução real é a abertura do problema. O problema tem que estar aberto.
Com respeito a isso as terapias diferem muito.
A PSICANÁLISE
Por exemplo: a psicanálise é muito fraca para abrir o que está latente. Então os psicanalistas o que fazem? Esperam. Você vai toda semana ver seu psicanalista e algumas vezes, com as coisas que acontecem em sua vida, algo provoca a abertura de alguma coisa que então aparece. E às vezes você terminou a psicanálise e depois de sete, dez, doze anos, algo acontece abrindo uma questão que estava latente, e você retorna à psicanálise para lidar com isso. Isso é muito comum. Porque é muito fraca para abrir algo.
TERAPIAS CORPORAIS
Por outro lado vocês conhecem como as terapias corporais tem muitos exercícios para mobilizar a energia facilitando a abertura do que está lá dentro. Porém não é a única técnica que se utiliza para isto.
SILÊNCIO E ISOLAMENTO DAS TERAPIAS JAPONESAS
As terapias japonesas por exemplo, utilizam técnicas completamente diferentes. Eu estudei cinco terapias japonesas. Todas tem algo em comum que a terapia ocidental não tem. A terapia oriental pede que você vá à terapia por um período de quinze dias, um retiro. Fora de sua casa, fora da sua cidade, em um lugar fora onde você tem que ir. Colocam você sentado, sem se mover, comento apenas o que lhe dão para comer, sem falar, sem olhar o telefone, sem olhar o computador. Sem ter nenhuma distração, de nenhum tipo, nem com a comida nem com sons, com nada. O colocam durante todo o dia sentado, virado para a parede. E às vezes, a depender da terapia, o chamam par entrevista quatro ou cinco vezes por dia, com o terapeuta. Este formato é geral e isso é muito interessante.
MECANISMOS HOMEOSTÁTICOS PARA MANTER ADORMECIDOS NOSSOS PROBLEMAS
Porque vocês sabem, nós temos mecanismos homeostáticos para manter adormecidos todos os nossos problemas. Quase todas as tensões musculares que temos, existem para controlar nossos problemas, é o que Reich chamou de couraça muscular. Quase todas as fantasias que temos em nossa mente todo o tempo são compensatórias para manter adormecidos os problemas. Quando falamos, quando nos distraímos vendo a tv, quando comemos muito, muitas coisas gostosas, quando fumamos, quando usamos drogas… A maior parte do que fazemos em nossa vida, tem esta função de manter paralisados nossos problemas. Nossos movimentos, entre 75% a 85% de nossos movimentos não são realmente necessários, são parte de nosso mecanismo homeostático para manter nossos problemas controlados. Com esta técnica japonesa eles impedem isso. Você está sentado em uma posição em frente à parede por horas e horas. Indicam algo para ser feito com a mente, não pode distrair-se com pensamentos compensatórios. Então é natural que nestas circunstâncias as coisas começam a vir. Eu fiz terapia no ocidente que usa estas técnicas. Fui a um grupo primal onde nos internamos por 15 dias e nos fizeram assinar um contrato de que não íamos cometer suicídio. Eu pensei: “Isso é muito louco”. Porém lá pelo quarto ou quinto dia comecei a ter fantasias suicidas. Porque também aqui a gente não falava, comia apenas o que era servido etc…, muito parecido com a terapia do oriente. Então quero dizer que existem muitos métodos para fazer com que as coisas apareçam. Nós usamos a terapia corporal, esses métodos alguns dos quais vocês conhecem. Por que? Porque não podemos dizer a uma pessoa: “Venha aqui e vamos controlar o que você vai fazer, durante quinze dias”. Em geral não temos este poder como terapeutas no ocidente.
COM A ABERTURA COMEÇAM AS POSSIBILIDADES
Mas seja provocado por nós ou pelas circunstâncias da vida, em um momento ou outro, nossos problemas latentes podem abrir-se. Então nós temos uma chance. Ai começam as possibilidades.
Mas certamente a abertura de um problema não significa a solução. Porque a rua está cheia de gente grita os problemas enquanto dirige, não quer dizer que a abertura em si seja a solução. Então este é o primeiro passo, número 1, são 5. Não importa que técnica você use. Pode ser que uma pessoa vá a um terapeuta com um problema já aberto, ou não. Ou com as consequências de um problema: “Eu não sei porque não tenho amigos, ou vida amorosa”. Ou algo assim. Em qualquer dos dois casos nós trabalhamos com o problema, se já está aberto o primeiro passo não é necessário. Do contrário temos que esperar ou abrir.
2º CONTATO
O segundo que podemos falar é Contato. Contato é na tradição reichiana algo muito importante, citado por todos os membros da tradição reichiana como muito importante.
A CATARSE NÃO CURA
Em alguma épocas na tradição reichiana se pensava que o que curava era a catarse, isso vinha do uso de um modelo hidráulico. Você tem uma emoção acumulada, abrindo-a, com a saída da emoção o problema ficaria solucionado. Então quer dizer que as pessoas que gritam ou brigam todos os dias nas casas, e os boxeadores, todos estes teriam que ser pessoas muito pacíficas. Porém você vê que isso não é assim. O modelo hidráulico foi comprovado ser falido. A Catarse não cura. Às vezes uma pessoa se cura simultaneamente com uma catarse, porém não é a catarse o que cura. Esta confusão teve também Freud no princípio, mas ele também comprovou que isso não funcionava assim.
O CONTATO CURA
Eu lembro quando eu era ainda um terapeuta novo, vivia em Córdoba, nem sequer falava inglês muito bem e um dia David Boadella, que creio ter sido o discípulo mais inteligente de Reich, entre os neoreichianos, foi à Argentina e fui vê-lo em Buenos Aires. Nos sentamos em uma mesa de café com outras pessoas, e estávamos falando disso. Ele achava que eu sendo orgonomista não acreditasse que a catarse curasse. Eu lhe disse: “Não. A catarse não é o que cura”. Então, o que cura? me perguntou. – Contato, respondi. Ele se entusiasmou tanto , me lembro, que levantou-se ficando de pé, derrubando a mesa com tudo, e disse-me: “você é um bom homem.
O QUE É CONTATO
Contato está presente nos livros clássicos de orgonomia. Porém: O que é? O que é Contato? O Contato é um par funcional em terminologia reichiana. Está composto por duas partes: sentir e saber. Não é suficiente que eu sinta uma emoção, eu tenho que saber o que é isso. Não é suficiente que eu o saiba, tenho que senti-la completamente.
O CONTATO NO LUTO
Por exemplo: No caso do luto, alguém morre e eu evito o luto. Saio com amigos, não penso mais nisso, coloco de lado…Evito o luto e pago as consequências. Porém nos anos seguintes, cada vez que vejo um filme em que alguém morre, eu choro, sinto tristeza. Isso me ajuda a solucionar o luto? Não. Por que? Porque esta tristeza não se deve a este filme. Essa tristeza vem do luto que eu não completei. Portanto o Contato está incompleto porque eu sinto mas não sei.
CONCLUINDO SOBRE CONTATO
Então este é o segundo termo prático. O primeiro: O problema precisa estar aberto ou temos que abri-lo. O segundo: A pessoa precisa ter contato. Em termos práticos isso quer dizer que se a pessoa sente uma emoção, eu sempre lhe pergunto: “E por que você sente isso? O que é isso?” Busco a parte do saber. Mas se a pessoa está me relatando um problema eu procuro abrir toda a emoção que tem relação com isso. Eu tive uma paciente que cresceu nas ruas de Israel e foi muito abusada sexualmente desde criança. Tinha treze anos de idade e tinha sexo com umas doze pessoas por dia. Ela podia contar toda esta história, mas a verdadeira emoção relacionada com isso está muito protegida. Então você busca o que não está presente para que haja contato. E além disso não apenas tem que ter as emoções e saber. Mas estas duas realidades precisam estar juntas, como duas mãos postas em oração. Por que? Porque se eu sei hoje e sinto amanhã, não serve. Devem acontecer ao mesmo tempo.
COMO AS DIVERSAS TERAPIAS PROVOCAM O CONTATO
Como fazem as terapias para que as pessoas tenham contato? Das mais diversas maneiras. Pode ser: falando, imaginando, fazendo… Por exemplo: Estando com um psicanalista eu falo, principalmente. E busco saber e sentir, falando.
Porém estando com um behaviorista e tendo uma fobia de gatos, o terapeuta fica na outra extremidade da sala com um gato. Eu estou aqui do outro lado e ele me diz que eu pratique relaxamento. Por que eu pratico relaxamento? Certamente os behavioristas tem uma ideia sobre isso. Porém eu que trabalhei uma boa parte de minha vida com as tensões dos corpos das pessoas, sei que toda tensão crônica é uma interrupção, um corte, uma falha no contato. Se eu quero realmente saber e sobretudo sentir algo, uma tensão muscular me impede. Por isso os behavioristas se sentam na outra extremidade da sala e orientam para que eu relaxe.
Porém pode ser que eu imagine algo. Alguns terapeutas cognitivos comportamentais ou na EMDR, ou outras terapias me dizem: “Imagine o trauma, busque a primeira cena, mantenha esta memória em frente à sua mente”. O que buscam? Buscam facilitar o contato. Então pode ser feito também através da imaginação.
Palavras, imaginação, corpo, sentidos, como seja. Não importa o método. Eu tive um paciente que sempre sentia que eu não lhe prestava atenção, que não tinha a minha atenção. Então uma vez em uma sessão, eu simulei cochilar. Por que eu simulei dormir? Para fazer com que isso se manifestasse. Qualquer coisa pode servir. Um tempo atrás tive um paciente judeu que tinha uma angústia de castração que estava muito conectada com o corte do prepúcio em sua circuncisão. Tinha isso muito forte. Então eu peguei um facão grande, com um aspecto terrível, que tenho e fui me aproximando dele… Então você vê: qualquer que seja o método. Ou você pode indicar a uma pessoa para que faça algo. Por exemplo: às vezes peço a uma pessoa que visite seus pais, em certo momento da terapia.
Então sentir e saber. Você procura o que falta e tendo os dois juntos faz-se o contato. Você pode buscar os métodos de contato em todas as terapias.
Há algo que sucede quase espontaneamente a partir daí. E isso que acontece espontaneamente lhe ajuda a compreender todos os métodos e as diferenças entre os métodos. Por exemplo: Você vai a um psicanalista e ele analisa a transferência os sonhos etc., e lhe mostra como isso que está acontecendo agora, como por exemplo uma zanga contra o psicanalista, realmente é uma zanga contra seu pai. Ele mostra que isso é uma repetição, por isso é uma transferência.
3º COMPREENSÃO DA VACUIDADE (A NÃO REALIDADE)
Para que serve isso? Eu pergunto a você: para que serve isso?
Participante: “Para fazer contato”?
Jorge: Não. Ele já fez contato. Está zangado com você, está sentindo isso. Porém agora sabe bem que esta raiva já tinha contra o pai, tudo isso, etc.
Para que serve isso? Para que serve este contato? Para que?
Este é o próximo passo. O número 3.
Para que serve?
Participante: “Para você repetir a raiva até sair dela? Para você viver aquela raiva até sair dela”?
Jorge: A maior parte das pessoas vive esta raiva toda a vida e nunca sai dela. Porém quando você vai ao psicanalista, ele lhe mostra que esta raiva que você talvez tenha vivido toda a vida, na realidade não é com ele mas com seu pai. E que isso é uma repetição, é uma sombra da raiva com o pai.
Existem duas perguntas aqui que quero esclarecer. Uma é: Para que serve isso? Para que serve este contato?
Vou responder de maneira simples. Se a raiva que você tem é com seu pai, e não com o terapeuta, você não está realmente zangado com o terapeuta. Esta raiva que tenho do terapeuta não é verdadeira. Perde realidade. Quando você mostra que algo não é real. Quando você mostra o imaginário como imaginário, que algo não é real, então este algo, com toda certeza perde poder sobre você. Isso é como um punhal no coração do problema.
Um exemplo que sempre coloco: Alguém vem encontrar-me e eu lhe recebo afetuosamente, lhe dou um abraço muito carinhoso. Mas depois quando ele se senta para a sessão de terapia, coloca a mão no bolso e percebe que a cédula de cem dólares que trazia consigo, havia sumido. Então ele entende que eu o roubei ao abraçá-lo e naturalmente fica com muita raiva de mim. Mas ele pode pensar: Jorge é mais valioso para mim que os cem dólares, pode tentar construir todos os raciocínios possíveis atenuando a questão, mas no fundo ele vai sair zangado comigo. Porém o que acontece se por acaso ele coloca a mão do outro bolso e percebe que lá está a cédula de cem dólares, que não lhe roubei, que a impressão que tivera não era verdadeira? O que acontece com sua raiva?
Participante: “Acaba”.
Isso é o que acontece quando você vê que algo não tem realidade. Porém este ver não é teórico. Isso não é uma teoria do tipo eu penso … Não, não! Colocou a mão no bolso e lá está a cédula. Caso você possa fazer isso realmente, com verdadeiro contato, então o inimigo está derrotado. Para isso serve esta técnica. Porém não quer dizer que esta técnica funcione com todas as pessoas e sempre. O que acontece é que muitas pessoas se enamoram das técnicas e como não compreendem na realidade qual o substrato sobre qual funcionam, repetem a técnica inclusive com aqueles com quem não atingem nenhum resultado.
Por exemplo: tomemos mais uma vez o caso do terapeuta comportamental com o gato. O terapeuta se senta com o gato, na outra extremidade da sala. Eu me sento aqui e relaxo. Pouco a pouco o terapeuta vai sentando mais perto de mim até que finalmente estou com o gato em meu colo. Como se pode expressar isso? A maneira mais simples de expressá-lo seria: Parece que não há nenhum motivo real para temer o gato. Não acontece nada terrível estando na mesma sala com um gato. Ele vai se aproximando e não acontece nada, chega mais perto e mesmo assim não acontece nada… Inclusive quando o tenho no colo não acontece nada de mal. Não há nenhum perigo no gato. Isso como uma demonstração verdadeira, não teórica.
PRINCÍPIO SUBJACENTE A TODAS AS TERAPIAS
Então vocês percebem: o que parece tão diferente de psicanálise, na realidade são diferenças superficiais. O princípio subjacente é o mesmo. Todas as terapias são assim. Todas as terapias quando funcionam em dissolver um problema, baseiam-se nisso. Por exemplo: Digamos que eu uso uma terapia gestáltica, então eu tenho um diálogo com a cadeira vazia. Eu falo com meu pai na cadeira vazia. Por que eu falo? Estou vendo claramente que não há ninguém nesta cadeira. Nesta cadeira não está meu pai. Então: eu estou aceitando com o contexto, que este problema que eu tenho não é real, que está em minha imaginação. Porque caso eu tenha um problema real com meu pai, não vou solucionar falando com esta cadeira.
Tomemos outra técnica. Na bioenergética pegamos a raquete de tênis e batemos no colchão. Já tive pacientes aos quais lhe dei a raquete e me respondem: “Não, não, eu não quero bater no colchão. Eu quero bater em João.” Por que dizem isso? Porque se você bate no colchão, você está aceitando implicitamente que esta raiva não é real. Caso você tenha um problema onde a agressividade seja realmente necessária, não vai resolvê-lo batendo em um colchão.
Ou vocês são orgonomistas. Eu digo: “deitem, girem os olhos e respirem profundamente”. Eu recebi você muito bem, tranquilo, você está no mesmo ambiente, não está acontecendo nada… Mas de repente você tem muitas emoções respirando e girando os olhos. Por que? Não há nada real acontecendo. É fácil ver que isso não é real. Para isso serve este exercício. Senão para que serve que você gire os olhos e tenha a raiva, e tenha memórias e tudo mais?
Então vocês veem que mesmo se as técnicas sejam muito diferentes, a maneira como funcionam é exatamente a mesma. Se você entende, compreende isso, então você tem um guia. Não tem necessidade de seguir cego uma técnica. Você pode usar qualquer coisa que funcione para conseguir o que você compreende que é o que quer conseguir. E você não precisa estar perdido em uma floresta de técnicas e teorias, tudo isso. Não necessita. Isso não somente liga os distintos estilos de psicoterapias. Isso de compreender que o problema não é real tem um nome no oriente também: Compreensão da vacuidade. E sempre foi considerado no oriente com o caminha para a resolução dos problemas. Não se trata de algo novo. A compreensão da vacuidade significa que se nós compreendemos a vacuidade de uma emoção, de um problema, nós compreendemos que não tem uma existência sólida, intrínseca.
4º NÃO FAZER
Qual o problema que enfrentamos quando tentamos conseguir isso? Porque enfrentamos muitos problemas para fazer isso. O principal problema é o mesmo problema que temos e fazem com que os problemas durem em geral, toda a vida. Vamos falar sobre isso um pouquinho mais. Porém deixem-me falar brevemente dos passos 4º e 5º.
O que ocorre de uma maneira natural, espontânea, quando vocês compreendem que um problema não tem uma realidade intrínseca, que não é verdade? O que ocorre?
Observem: qual a diferença entre algo que é real e algo que não é real? Por exemplo: se este prédio onde estamos, pegar fogo, temos que fazer algo. Temos que sair daqui rápido, correr para fora. OK? Se nós não temos dinheiro para pagar o aluguel, temos que conseguir dinheiro. Ou seja, quando existe algo real, nós temos que fazer algo. Verdade?
Porém um exemplo que sempre uso é: O que você tem que fazer em reação à invasão dos marcianos? Você não tem que fazer nada pois não existe a invasão dos marcianos. Não somente não tem nada a fazer fora, mas também não ter nada a fazer dentro de você. Você não precisa estar a favor da invasão dos marcianos. Você não necessita estar contra a invasão dos marcianos. Você não necessita tomar nenhuma atitude com respeito à invasão dos marcianos.
O FAZER NUTRE O PROBLEMA DE ENERGIA FRESCA DE VIDA
Então atenção! Quando fazemos algo, não apenas externamente, mas também internamente, quando resistimos, reprimimos, quando estamos a favor ou contra, que é sempre consequência de considerar algo real, o que estamos fazendo, sabendo ou não, é nutrir o problema com uma energia fresca de vida. Pensem isso: nenhum carro anda para sempre com gasolina colocada apenas uma vez. Você tem que colocar gasolina regularmente. Um problema também não pode ser mantido com a mesma energia de quando você tinha 7 anos de idade, quando o problema começou. Você o reabastece todos os dias, do contrário o problema não poderia funcionar. E como você o alimenta? Com o fazer! Estar a favor, estar contra, reprimir… todas as atitudes que você tem, cada uma destas coisas, faz com que sua energia vital se envolva com o que está ocorrendo e o mantenha funcionando e vivo. É assim que um problema se mantém sendo efetivo. Naturalmente, você vendo que algo não é real e a consequência é que você não tem nada a fazer sobre tudo isso, então o problema não vai ter mais gasolina. Esse é o 4° passo que poderíamos chamar, se vocês quiserem: Não Fazer. Porém isso é uma consequência. Você não pode tentar não fazer se você acredita que é algo real. Não é possível.
5º LIBERAÇÃO DO PROBLEMA
A consequência final de tudo isso é a Liberação do problema. Você pode dizer Liberação ou você pode dizer: Dissolução.
O QUE FOI UM PROBLEMA AGORA É UMA CAPACIDADE
Na Liberação ou dissolução de um problema não é destruída a energia com a qual o problema funciona. Nem sequer é destruída a estrutura de funcionamento. Essa estrutura de funcionamento, uma vez que vocês aprenderam e uma vez que a tiveram funcionando, quando se libera de todas as razões imaginárias pelas quais tinha sido um problema, é agora uma capacidade. Isso que foi um problema, é uma capacidade. Não existe em nós, nenhum problema que seja somente um problema. Todos nossos problemas são nossas capacidades encobertas, amarradas a algo que não é real.
Um exemplo: é como ter um impermeável que é algo muito bom. Mas se você tem que tomar banho com o impermeável, dormir com o impermeável, fazer sexo com o impermeável, então é um problema. Porém quando você libera tudo que está dentro de seu problema, libera-se de todo este contexto imaginário, todos estes são as melhores coisas que você tem.
A LIBERAÇÃO DO APEGO
Por exemplo: Há um tipo de pessoa que é muito apegada, tendo o apego como uma característica principal de sua personalidade. Quando temos uma pessoa assim é um problema terrível. Porém quando as razões disso se liberam, o que funcionou como apego nesta pessoa, não desaparece. Por exemplo: Eu me enamoro de uma pessoa. Qual a característica deste estar enamorado, por uma pessoa? Que esta pessoa agora é única no mundo para mim. O sorriso desta pessoa, o seu caminhar, a sua voz, como esta pessoa prepara o café da manhã, tudo isso para mim é único (mesmo se de fato não seja tão diferente de outras pessoas). Mas não tem que ser uma pessoa, pode ser meu cachorro. Posso sentir-me muito apegado a meu cachorro, a meu carro, com tudo posso sentir este apego. Isso na vida é um problema terrível pois então se preciso me divorciar… E meu carro, se tem um problema… Ou o cachorro que vive pouco… Então isso através da vida é muito difícil. Porém se você dissolve isso… No oriente tem um nome para isso. O denominam uma das cinco sabedorias búdicas. O chamam de sabedoria discriminativa, o que é liberto quando uma pessoa solta esta característica. O que significa isto? Cada momento, cada circunstância, cada coisa tem uma característica única que pode ser apreciada e amada desta maneira. Cada coisa. Mas agora esta capacidade de admirar cada coisa está liberada para funcionar assim na vida. Uma riqueza extraordinária.
A PRINCIPAL DIFICULDADE PARA A LIBERAÇÃO DO PROBLEMA
Vou então falar dos problemas que nós temos para fazer isso, brevemente, do principal problema. E depois vou estar aberto a perguntas.
Qual é o principal problema? O principal problema é que nossas negatividades, todas as nossas emoções, querem sobreviver. E só existe uma maneira com a qual nossas emoções podem sobreviver: provar que são reais. Então nossas emoções estão muito envolvidas em provar sua realidade. Por exemplo: Se ele está muito zangado comigo, a zanga vai tentar dominar o ponto de vista dele e ele então vai esquecer tudo que eu tenho de bom. Ele vai lembrar apenas o que eu tenho de ruim. Inclusive vai distorcer a realidade para transformar em ruim coisas que são neutras ou que não estão realmente ai. Isso é o que sempre fazemos. Todas as emoções fazem isso. Estando enamorado sinto que a pessoa que está à minha frente é um anjo, todo bom.
Por que as emoções fazem isso? Porque se ele começa a sentir uma perspectiva mais balanceada, equânime (Isso, isso em Jorge é bom. E isso…). Então a zanga não pode sobreviver muito bem. E a zanga quer sobreviver. E todos os problemas querem sobreviver. Desta forma todos vão tentar fazer todo o possível, muito inteligentemente, para provar que são reais. Este é o principal problema que encontramos em nós para liberar nossos problemas. E que também encontramos quando queremos ajudar alguém a liberar seus problemas. Podemos reconhecê-lo ou não. Mas quando reconhecemos, isso que estamos descrevendo então também possivelmente ajuda. Por isso eu exponho esta questão.
CONCLUSÃO
Esta é a síntese desta apresentação.
Então:
1º O problema pode estar fechado ou aberto. Precisa ser aberto. Abrir.
2º Contato que é saber e sentir.
3º É separar da realidade os problemas que não são reais, que são objeto da psicoterapia. Vacuidade, se preferem denominar assim.
4º Como consequência disso: o Não Fazer. Não apenas fora mas também dentro. Não há uma atitude. Não há a favor ou contra. Não há repressão, não há compensação. Nada.
5º Liberação. A liberação dos problemas como tais e a apresentação deste funcionamento como capacidade.
PERGUNTAS
- Participante: “Sobre o contato, o sentir e o saber tem que estar juntos. E o saber seria o que?”
- Jorge: Saber porque você está zangado, porque está triste.
- Participante: “A causa”.
- Jorge: Inclusive a causa. Eu estou zangado porque você, pode não ser verdadeiro, porém porque você me humilha.
- Participante: “O sentimento nunca é suficiente nele mesmo? Eu tendo uma raiva, não é suficiente, é necessário saber o porquê deste sentimento.”
- Jorge: O que é esta raiva.
- Participante: “Fiquei com esta curiosidade se ela pode ser sentida sem a necessidade de uma compreensão.”
- Jorge: Claro. Mas neste caso não há contato. A raiva sempre aparece dentro de uma narrativa. Não aparece sem nada, há uma história ligada com isso. Todos nós somos assim.
- Outro participante: “Você falou que todos os nossos problemas são nossas capacidades encobertas”.
- Jorge: Não. Amarradas com os problemas. Amarradas em um nó imaginário.
- Participante: “Então eu queria saber: Problema é oportunidade? Escuta-se muito isso, que problema na verdade é uma oportunidade para entrarmos em contato com algo que não estamos conseguindo enxergar.”
- Jorge: Isso não é o problema. Isso acontece quando algo se abre. Você lembra que eu disse que os problemas podem estar latentes ou abertos. A oportunidade é quando o problema se abre. Ai você tem uma oportunidade. Mas se está latente não se pode fazer nada.
- Outra participante: “Então o trabalho com a bioenergética facilita para que haja esta abertura do problema?”
- Jorge: Pode-se usar a técnica bioenergética para isso. A vida mesma também abre. Às vezes os psicanalistas usam coisas da transferência ou sonhos para ajudar a abrir um problema, mas estes são métodos fracos. Existem muitos outros métodos que também funcionam. Você não tem porque dizer: “eu faço isso” e limitar-se. Por que limitar-se? Você compreendendo o que quer fazer, qualquer coisa que você possa fazer que funcione…
- Outra participante: “Gostaria que você falasse um pouco mais sobre quando você libera. Quando você se libera do problema. Você não muda o padrão necessariamente.”
- Jorge: A Liberação é espontânea. Não é que você libera.
O padrão, a estrutura não desaparece. O que se solta é o nó imaginário que o estava amarrando. Então agora isso funciona de acordo com a realidade, como capacidade. Sem as limitações impostas por este nó imaginário. - Participante: “É como se alguma coisa que era negativa, não se torna mais negativa, torna-se um tema positivo. Uma positividade na vida da pessoa.”
- Jorge: Sim. Em si mesmo, um impermeável não é negativo nem positivo. Porém uma pessoa pode ser um pouco louca e usar um impermeável para tomar banho. Então aqui existe algo errado.
- Participante: “Torna mais adequado à realidade, à situação real.”
- Jorge: Sim.
Apreciar as qualidades únicas das pessoas, de um cachorro… não é nada mal. É uma capacidade. Porém o que acontece é que por conta das perdas que esta pessoa teve no início de sua vida, ela sente que essa é a única pessoa no mundo que tem beleza. Este é o único cachorro… Então esta limitação que é imaginária, é o problema. - Participante: “Quando a pessoa evidencia o que o outro tem de negativo, isso faz com que a percepção que ela tenha da realidade possa ser um combustível para que o problema continue?”
- Jorge: Depende do que você esteja querendo dizer com: perceber o que o outro tem de negativo. Eu posso perceber que você está zangada. Posso perceber que você está zangada não por um motivo real. Se isso não me toca, não ressoa em um problema meu pessoal, isso não é nenhum problema.
- Outra participante: “Escrevi uma coisa aqui e gostaria de entender. Talvez eu tenha escrito de maneira equivocada. Você disse que a tensão crônica é um corte?”
- Jorge: Sim, um corte. Um corte do contato. Um corte no fluxo e pulsação da energia, então um corte no contato.
Nós criamos o que chamamos couraças que são cortes, cortes, cortes de contato. É por isso que precisamos restituir o contato. - Participante: “Contato seria com a realidade, porque está ligado ao imaginário”.
- Jorge: Contato consigo mesmo e com o mundo, simultaneamente. Porque contato é uma função pulsátil. Contato com você e contato comigo, é assim como uma pulsação. Por isso muitas vezes quando eu quero ajudar o contato em uma pessoa, lhe digo: “olhe para mim”. Então se fico em contato ocular, muitas vezes isso ajuda. Por isso quando uma pessoa não quer fazer contato, não olha para você. Fazendo contato com você entrará em contato consigo mesma. Mas não é suficiente olhar para fazer contato porque existe o olhar psicopata, paranoico, o olhar delirante… Porém contato é uma função pulsátil, com o mundo e comigo mesmo. Aqui você sente e sabe o que sente. Algo que você está recuperando, por isso é um problema, você o cortou em algum momento. Fragmentar-nos, cortar o contato, são estratégias que podemos usar para sobrevivermos.
- Participante: “Lembro que você falou algumas vezes sobre alguns tipos de bloqueios em que a pessoa tem uma compleição muscular muito débil, quando poderia ajudar aumentando esta tensão, quando a pessoa tem um bloqueio.
- Jorge: Você está falando do bloqueio hipotônico.
- Participante: “Como você associa isso a esta história do contato?”
- Jorge: Você busca o contato de qualquer maneira. Eu não quis expor todos os exemplos possíveis que envolvem o contato. Neste caso do bloqueio hipotônico você tem que elevar o tônus à normalidade, para que haja contato. Se eu dou a mão a você, como estas pessoas que dão a mão morta, mole, sem força, isso não é contato. Quando você dá a mão, há um tônus que é realmente encontrar-se com o outro ao dar a mão. Por outro lado se você põe a mão rígida, dura…isso também não é contato, como a mão morta também não é contato.
- Participante: “Eu queria compartilhar que me senti em dúvida quando você disse que simulava cochilar para provocar o paciente”.
- Jorge: Eu simulava que dormia. Por que? Porque ele tinha essa sensação recorrente que o levava a me perguntar: “você está me ouvindo”? “Você escuta o que digo”? “Neste momento você está olhando para o outro lado…” “Necessito um tempo para…” Sempre com isso… Porém sempre apresentando como algo real, normal e que está acontecendo agora. Tinha dificuldade de apresentar como algo que estivesse abrindo. Então para ajudar isso, simulei dormir enquanto o ouvia e sua reação foi muito forte. Isso o ajudou a tomar responsabilidade sobre os próprios sentimentos. Isso o ajudou. Qualquer coisa você pode fazer. Qualquer coisa. Você pode usar qualquer técnica desde que compreenda o ponto essencial, por isso o que falamos hoje. Para que fiz isso? Para que ele contatasse com esta parte dele que sente que não lhe prestam atenção. E que percebesse como de fato é, que não é realidade. Que eu havia simulado e ele apresentou esta reação tão forte embora não houvesse nenhuma realidade por trás. Mas este é apenas um exemplo, não é importante.