Pretendo trazer algumas reflexões que me parecem importantes. Refiro-me à nossa saúde psicológica, nesta vivência tão especial do necessário isolamento social, diante da gravíssima pandemia. Várias questões são interessantes e úteis mas para não ficar muito longo opto por dividir a reflexão em alguns textos menores que incluirão aspectos como: Atividade física, a emoção versos a razão, a prática da meditação, e alguns outros.
ACEITAÇÃO
Uma primeira questão que parece ser o ponto de partida, é a aceitação. Expressões populares dizem: “Aceita que doí menos”; “Barco afundado, bem carregado” e “O que não tem remédio, remediado está”. Entendo que estas expressões às vezes provoquem raiva no interlocutor. Mas existe nelas a verdade de que a aceitação diminui o sofrimento . E mais ainda, que o lutar contra a realidade inevitável, além de ser inútil, gera desgaste e aumenta a frustração…
Mas como aceitarmos o inaceitável?
A ACEITAÇÃO E AS TRADIÇÕES RELIGIOSAS
As pessoas que tem uma formação e vivência cristã, poderão encontrar mais facilidade neste sentido, uma vez que a grande mensagem de Jesus, traz como eixo fundamental o amoroso relacionamento com Deus Pai criador e provedor. O Evangelho de Mateus diz no capítulo 6, versos de 25 a 34: “Olhai as aves do céu…Olhai os lírios dos campos…Vosso Pai sabe do que necessitais…” Essa experiência de confiança neste Pai que nos ama imensamente, pode ser tranquilizadora. E esta “tranquilidade” pode ser muitíssimo produtiva e eficaz em termos de sobrevivência e percepção de alternativas para soluções de problemas.
Muitas pessoas tem outras fundamentações religiosas e muitas outras tradições trazem conceitos similares que nos colocam diante da reflexão sobre o que seja de fato o essencial.
Então o contato e alguma vivência de uma tradição religiosa milenar, pode ajudar muito na construção desta aceitação. O que absolutamente não significa passividade ou acomodação. Mas ao contrário, a abertura de potenciais criativos com ampliação da percepção para novos aspectos da realidade. Neste caso portanto, aceitação é sinônimo de libertação.
FORMAS DE NÃO ACEITAÇÃO
Tenho observado nitidamente duas formas de não aceitação do sofrimento ao qual estamos sujeitos neste momento de pandemia e isolamento social.
NEGAÇÃO
“Não é tão perigoso assim”. “Estão exagerando.” “Veja bem, isso vai passar logo.” “Só acontece quando tem que acontecer”. “Para quem tem fé nada de mal pode acontecer”. …
São expressões de pessoas que estão se arriscando em aglomerações e sentem-se irritadas ou acham graça das mais cautelosas. .Estão negando a realidade como o avestruz em desenhos animados, que assustados enterram a cabeça em buraco no chão. Precisamos compreender que o fazem por medo. Porque a realidade dessa pandemia com consequente recessão econômica, com mortes e tantos doentes, é algo insuportável. Há também aqui uma expressão de onipotência típica das reações eufóricas, como ilusões compensatórias. Estas indicam justamente o contrário daquilo que estas pessoas falam. Tentam, sem o saberem, esconder de si mesmos o imenso medo que os ameaça. Convém portanto que tenhamos respeito e compaixão por pessoas que apresentam tal atitude.
PARALISIA
Uma jovem universitária sentiu muita raiva por existirem aulas on-line. Não aceitou a situação que lhe parecia injusta. Como haver custos com ensino nesta modalidade? O meu semestre estará perdido? Como aceitar que este estilo de aulas tenha a mesma validade da presencial? O aprendizado não será o mesmo! Meu curso está prejudicado! Isso não é justo!
Tive a impressão de fenômeno similar em professores com expressão do tipo: Como temos que improvisar métodos para os quais não estamos preparados? Essa passagem para aulas à distância requer todo um processo e capacitação que não nos foi oferecido…
A aluna acima não conseguia estudar. Queria apenas dormir, ver séries…Sentia a pressão das demandas que vinham on-line por parte dos professores, mas não conseguia se mover. Estava paralisada. Chamamos isso tecnicamente de Impasse. Havia um conflito entre duas energias opostas. Por um lado a pressão para o cumprimento do dever e o receio pelo acúmulo de conteúdos. Mas por outro lado a raiva pela não aceitação da realidade.
Ajudou muito a oportunidade que teve antes de mais nada, de tomar consciência do que estava acontecendo. Pois sua queixa era apenas de desânimo e apatia. Mas foi auxiliada a perceber progressivamente, o quanto estava revoltada com a situação.
Uma vez consciente teve a oportunidade de expressar sua indignação e raiva contra a faculdade. Pode falar agressivamente dando vasão a seus sentimentos de raiva. E pode também chorar sua dor pela frustração, pelo distanciamento dos colegas etc.
Até progressivamente ir percebendo a realidade com outros olhares. Chegando a compreender que também a faculdade era vítima da mesma catástrofe. Esse processo de aceitação foi liberando sua energia para o estudo ao qual foi se dedicando cada vez mais a cada dia.
CONCLUSÃO
Vemos então o quanto a não aceitação dificulta nossa vida, nos faz sofrer e nos incapacita para a solução de problemas. Lembro apenas que a estudante acima passou pelo processo: 1º Consciência da raiva, pois não estava percebendo isso. 2º Expressão de sua revolta e indignação. Aqui é fundamental que quem estiver por perto, pais, amigos … suportem ouvir com respeito e compreensão essa justa revolta. 3º Como consequência, a libertação da energia produtiva.